Finalizando o mês dedicado à conscientização sobre a Síndrome de Rett, nada melhor do que um “fechamento com chave de ouro” !
A Síndrome de Rett é uma condição neurogenética degenerativa causada por mutações no gene MECP2, localizado no cromossomo X, que codifica a proteína de mesmo nome. Acomete primariamente meninas. Para maiores detalhes sobre a síndrome, vide postagem da categoria Publicações sobre a Síndrome de Rett.
Uma notícia mais do que animadora vem pela doutora Gail Mandel e o pesquisador sênior de seu laboratório, dr John Sinnamon (da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon – “Oregon Health & Science University” – em Portland, Oregon, EUA), publicada em agosto de 2022 – a técnica de edição do RNA mostrou-se eficaz em reduzir os sintomas da Síndrome de Rett em camundongos. Afirmam ainda que, em animais, pelo menos 45% das mutações causadoras da síndrome podem ser revertidas com a edição do RNA.
A edição do RNA é um processo que já ocorre normalmente nas células. Neste caso, através de um grupo de enzimas chamado ADAR ( do inglês Adenosine Deaminases Acting on RNA), que muda a base nitrogenada de RNA adenosina em outra base, inosina, que é interpretada na leitura do RNA como guanosina ao produzir a proteína. Essa mudança interfere na expressão e na função da nova proteína.
A técnica da edição direcionada do RNA foi testada em animais cuja mutação causadora de Rett levava justamente à presença de uma adenosina no lugar de uma guanosina no RNA mensageiro. Foi introduzida, através de um vetor viral (um vírus AAV), uma das enzimas do grupo ADAR, aqui chamada de editase, juntamente com um RNA capaz de guiar a editase até o local da mutação do gene MECP2 no RNA mensageiro da célula.
A terapia com edição de RNA tem a vantagem de produzir proteínas editadas na mesma proporção que as proteínas originais. Nesta síndrome, especificamente, isso é fundamental, pois uma superprodução da proteína MECP2 leva a outra doença relacionada, a síndrome da duplicação do MECP2.
Nos animais testados, houve um aumento da expressão da proteína MECP2 em diversas regiões do sistema nervoso central, de modo desigual, com maior concentração de expressão no tronco encefálico (18%). Esse fato é importante, pois no tronco encefálico está localizado, por exemplo, o centro de controle respiratório. Na síndrome de Rett, entre as principais manifestações estão os distúrbios respiratórios de origem neurológica, como a apnéia. Houve considerável melhora no quadro respiratório dos animais nesse estudo.
Há também, por outro lado, limitações do estudo, apontadas pelos próprios pesquisadores. Entre elas, a própria expressão desigual da proteína editada pelo sistema nervoso central, explicada pelo tropismo do vírus (“preferência” por determinadas regiões), que não contemplaria sintomas originados em outras áreas do encéfalo, como as alterações comportamentais. Isso pode ser corrigido alterando-se o próprio vírus e as substâncias que controlam a ação da editase e o direcionamento pelo RNA editado através de outras regiões do encéfalo, dessa forma, possibilitando uma expressão mais ampla da proteína MECP2 editada e, consequentemente, quem sabe, a esperada melhora dos distúrbios de comportamento do Rett.
Logo, ainda há um caminho a percorrer, corrigindo limitações e reproduzindo os efeitos encontrados, até que os estudos possam ser realizados em seres humanos (ensaios clínicos) e, finalmente, com resultados positivos, dêem lugar a uma nova e eficaz terapia gênica para a síndrome de Rett. Mas, como iniciei a matéria dizendo, já temos motivos para estar otimistas, fechando com chave de ouro este mês dedicado à síndrome de Rett, bem mais adiantados no caminho do que no ano passado, e avançando a passos largos em direção a um futuro melhor para tantas famílias!